Por Patrike Wauker

Derrida, que não acreditava em verdades absolutas, dizia, baseando-se em Saussure, que a língua não se relaciona com a realidade. Enquanto a filosofia antiga acreditava no poder das palavras nomearem o mundo, o intelectual(oide) em questão dizia que, na verdade, a linguagem é o local onde ideologia opressoras se materializam. O raciocínio é simples: se a linguagem não se relaciona com a realidade, isso quer dizer que ela é apenas a expressão subjetiva – e ditatorial – de alguém. Além disso, quando lemos um texto, na verdade, não retiramos sentido dele, mas implantamos sentido. Em Derrida, há mais distorção que interpretação.

Sei que o pensamento de Derrida é bem mais complexo do que consegui expressar acima – e infinitamente mais confuso – entretanto, a suma é: os textos não possuem significado absoluto, pois o absoluto absolutamente não existe. [1]Se um texto não tem sentido em si, mas apenas atribuições interpretativas de leitores tendenciosos, então, toda leitura é uma leitura ideológica. Esse pensamento abriu caminho ao subjetivismo extremado de nossa geração. Os textos hoje não dizem mais o que os autores intentaram dizer, mas declaram aquilo que os leitores querem que os textos tenham dito. Distorcer um texto tem mais validade que uma exegese.

Nosso século não lê para descobrir a intenção do autor, mas para descobrir o machismo estrutural que o fomentou, ou para captar a ideologia burguesa do autor que está tentando nos dominar com um conceito ocidental de heterossexualidade tóxica. Tanto sentido as ideias de Derrida fazem, quanto faz sentido o vídeo publicado por esses dias, pela jovem Jéssica Arruda, no qual critica-se um Manual de Curso de Noivos que foi produzido pela Igreja Adventista do Sétimo Dia. O vídeo feito pela jovem é o exemplo perfeito de como o presente momento lê um texto.

Primeiro, percebe-se como a vontade de classificar o Manual coma imagem de“arcaico” é algo enfático na fala da garota. Aparentemente, algo ser “ultrapassado” é o pecado mortal que devemos evitar. Ora, ser ultrapassado é uma característica daquilo que está limitado ao tempo humano; a Bíblia, entretanto, é a Palavra de Deus, logo, ela nunca fica “ultrapassada”. O Evangelho é eterno. Não sendo, contudo, apenas uma mensagem sobre a salvação, como também sobre a criação. Por isso, o Evangelho, que é atemporal, fala também sobre o que é ser homem e mulher, e sobre as funções que os homens e as mulheres devem desempenhar, fundamentando-se na Criação. Em suma, o Evangelho possui uma mensagem atemporal sobre o papel dos homens e das mulheres. Se no Manual, ou no curso, foram ditas coisas errôneas, elas deveriam ser assim denominadas não por serem ultrapassadas, mas sim por serem antibíblicas.

Acontece, que, como eu já disse acima, o texto do Manual não foi lido por alguém que quer interpretar o texto, e sim por alguém que quer descobrir a ideologia, o machismo, por trás do texto. O importante na “denúncia” feita é denunciar as ideias arcaicas do machismo opressor que ainda vive na igreja. Aqui, cabe aquela frase do Cláudio de Moura Castro, que não me recordo com exatidão, mas que seria mais ou menos assim: “No Brasil, as pessoas tentam interpretar as razões ocultas do que você disse, antes mesmo de entenderem o que você disse.”

Por sinal, uma das críticas é que os conselhos dados no Manual estão próximos do abuso e da violência.A própria jovem declara que a intenção da Igreja é outra.Entretanto, por trás dessas belas intenções, está o machismo estrutural que permeia toda a sociedade e que faz com que todo homem seja um monstro que tenta dominar sua esposa. O texto do Manual é culpado não de algo que ele claramente tenha dito, contudo, pelo espírito que permeia o subsolo das palavras macabramente machistas.

Note, por exemplo, este trecho:

Eu quero começar aqui por uma parte que dá conselhos para as mulheres de como deixar o seu futuro marido mais feliz. Bom, o conselho número três diz assim: “Receba-o com carinho, faça com que todas às vezes que sua esposa chegar em casa sinta como se estivesse entrando em um castelo, envolva-o com abraços e motive os filhos a recebe-lo com carinho, você é a rainha do lar, nada de problemas e dificuldades, este não é o momento. Depois de um dia de trabalho é muito bom voltar para casa e ser recebido com carinho pela esposa e pelos filhos.” Bom, para mim já é muito romântico esse negócio de castelo e rainha, enfim. Mas aqui, o problema é que ele traz um relacionamento em que só o homem trabalha, né!? Só o homem chega em casa e a mulher ficou em casa cuidando dos afazeres da casa e dos filhos. Já não é muito a realidade da maioria dos casais, né!?[2]

Ora, meus caros, o texto do Manual é bem equilibrado: temos um homem cansado chegando em casa e uma mulher sendo representada como “Rainha”. Não obstante, tudo isso é invalidado por ser “muito romântico”. Não há nenhuma análise sobre o problema desse trecho, apenas uma expressão da subjetividade da leitora: eu não gosto, então, é ruim. Como já afirmei acima, isso é compreensível, já que, hoje em dia, o importante não é o que texto diz, ao contrário, o importante é o que o leitor quer que o texto diga. Derrida nunca ficou tão feliz com um vídeo no Youtube.

Além disso, notem a interpretação/distorção: o Manual fala de um caso em que o homem trabalha e a mulher fica em casa, logo, isso é ruim, já que é ultrapassado. Primeiro, é importante lembrar, que, na verdade, ao contrário do que a jovem diz no vídeo, a maior parte das famílias brasileiras ainda são sustentadas pelo pai de família.[3]O que justificaria os conselhos do Manual, a final a igreja está dando conselhos práticos para a realidade de seus membros.

Obviamente, essa pesquisa não é conclusiva, já que dentro da Igreja Adventista o caso pode ser especificamente diferente, entretanto, se como ela disse, na Igreja Adventista existe ainda um machismo muito forte, então, é de se esperar, que na verdade, o número de homens trabalhando fora, com as suas mulheres em casa, seja ainda mais alto. Aliás, esse é um ponto paradoxal no vídeo: se na Igreja Adventista ainda existe muito machismo, então, como é que as famílias adventistas não seguem mais esse modelo em que a mulher fica em casa e o homem sai para trabalhar? Ou a Igreja Adventista não é machista, e os seus homens não se importam que as mulheres saiam para trabalhar, já que a realidade agora é outra; ou a Igreja Adventista é machista, com os homens saindo para trabalhar e suas mulheres ficando em casa, e a realidade é a mesma de sempre; acreditar nas duas coisas, é algo que apenas Derrida conseguirá explicar.

Observem ainda mais um dado. O fato do Manual aconselhar o caso de mulheres que ficam em casa, não significa que ela defenda que as mulheres não possam sair de casa para trabalhar. Uma coisa não se segue da outra. Se existe uma verdade que a maior parte dos estudiosos sérios de linguagem concordam é que “todo texto está em um contexto”. O contexto do Manual é bem simples: conselhos práticos para a realidade das famílias da Igreja Adventista do Sétimo Dia. Buscar interpretações estranhas no submundo do texto, tentando achar machismo velado, patriarcado opressor, é coisa de leitura pós-moderna – que não é leitura, vale dizer.

Mas a garota continua:

O outro item é o item dez: “Não entre na caverna, o homem é um ser da caverna, quando ele chegar em casa e entrar em sua caverna deixe-o em paz, provavelmente tem algum problema para o qual busca solução e quer ficar sozinho. Depois de um tempo, sairá de lá como se nada tivesse acontecido, mas se você o interromper, não vai ser legal.” E acaba assim o conselho. Fica meio subjetivo. Mas você pode entender isso aqui como… quer dizer, é difícil de entender, pois esse negócio do homem sair da caverna, a mulher não era, então? Não entendi. Mas o homem carrega um fardo pesado às vezes, né? É…imposto pelo machismo, pela sociedade patriarcal em que ele precisa resolver os problemas sozinhos, em que ele precisa dar solução para as coisas sozinho, é… de forma que ele não pode demonstrar fragilidade, que ele não pode se abrir em casa, porque ele precisa sempre estar uma rocha. E isso é motivo de muito sofrimento para os homens e para as mulheres, para os homens que precisam aguentar tudo sozinho e para as mulheres que não têm acesso a isso dos maridos, né? É… e aí, a gente vê muitos homens em depressão, muitos homens se sentindo fracassados, porque eles acham que precisam lidar com tudo sozinho e não é verdade. Marido, você pode, você deve contar com sua esposa pra dividir esse fardo, pra dividir os problemas e duas cabeças pensando é melhor que uma.

Novamente, recorre-se não a uma interpretação do texto. Ela cita um trecho do Manual, no qual usa-se linguagem figurada. A garota, todavia, classifica isso como “subjetivo” e diz que “é difícil de entender.” Estranhamente, a única coisa difícil de entender aqui é como ela tira conclusões sobre o texto, se ela diz que não entendeu o texto. É claro que se você entendeu Derrida, não há surpresas. Ela não precisa entender para interpretar, já que o que está acontecendo aqui é apenas distorção. Outro fator estranho é ela não ter conseguido entender uma simples figura de linguagem. Se ela possui alguma dificuldade em interpretar algo tão simples, ela precisa se esforçar mais – ou, então, criticar apenas a má escrita do texto e não a ideia, que ela não entendeu, do texto. Por sinal, esse é o conselho que Mortimer Adler, o maior especialista em leitura do século XX, dá em seu Como ler livros: um guia clássico para a leitura inteligente. Aconselho a sua leitura à garota, para que seus próximos vídeos sejam mais… bem, inteligentes.

Outro ponto importante a ser destacado é, como já feito antes, o fato dela concluir algo que não se segue do que é dito no texto. O texto diz que o homem vive em uma caverna, que é um ser mais intimista, quando está com problemas, logo, aconselha como as mulheres podem lidar com isso. Baseando-se nessa realidade, a jovem tira a conclusão de que o Manual fomenta que os homens levem todos problemas sozinhos e sejam oprimidos pelas dificuldades da vida. Como assim? Afirmar que essa realidade exista não é apoiar essa realidade. Some-se ainda a afirmação de que essa é a causa de os homens hoje estarem mais deprimidos. O primeiro problema dessa afirmação é que ela é feita no vácuo, sem qualquer pesquisa que a comprove.

Em segundo lugar, a afirmação é – que surpresa! – contraditória. Se os homens ficam deprimidos por levarem o fardo das responsabilidades sozinhos e o mundo atual possui um patriarcado mais fraco que no passado, então, o que explica que os casos de depressão estão aumentando[4] e não diminuindo? Ou seja, se o patriarcado causa depressão, por que os homens das sociedades antigas, em um tempo em que o patriarcado era muito mais presente, tinham menos depressão que hoje? A conclusão, na verdade, é que a nossa sociedade, ao cortar as raízes com os valores conservadores que a sustentavam, acabou por levar os garotos à depressão.

A jovem, entretanto, continua:

Bom, a outra parte é essa daqui: “conselho para os homens de como deixar sua futura esposa mais feliz”. E aí, eu quero dar destaque pra dois itens, o item dois, que diz assim: “Seja romântico, abrace-a, diga palavras carinhosas em todas as circunstâncias e não só nas horas intimas. Lembre-se, romantismo nem sempre deve terminar em sexo, diga sempre ‘eu te amo’, estas são palavras mágicas”. E aí, eu vou trazer um contraponto do conselho que ele dá para os homens de como… não… para as mulheres, de como fazer os homens mais felizes que diz assim, o item cinco: “crie momentos românticos, prepare de vez em quando uma comida especial , deixe as crianças com a sogra e receba-o com jantar.” Você vê a diferença? O homem ele [sic] precisa ser carinhoso, dá beijo, dá abraço, dá carinho e ainda tem que considerar que nem sempre isso vai levar a sexo. A mulher, ser romântica, ela tem que fazer uma janta, ela tem que despachar as crianças e… sabe, está mais a ver com o… a atividade doméstica ali da casa, né? É…. é muito… dois pesos, duas medidas, né!? Eu não… não entendo como que… por que dessa distinção, por que tratar um desse jeito e o outro do outro. Para mim isso é bastante problemático.

Novamente, estamos confusos sobre o que ela quer nos dizer sobre o Manual. Pode-se notar como,ao analisar o texto em questão, ela não consegue dizer exatamente onde consta o erro. Diz-se que o trecho é “bastante problemático”, contudo, não se explica em que especificamente. Aparentemente, na separação de funções que é colocada: o homem ser carinhoso e a mulher ser romântica e fazer as coisas de casa. Ora, ela, entretanto, não disse acima que os homens poderiam ser mais abertos às suas mulheres? Isso não poderia ser aplicado também a ser mais romântico? Afinal, qual o problema com isso?

Ok. Talvez o problema não seja exatamente com a postura do homem, mas com a diferença da postura do homem e da postura da mulher. Entretanto, basicamente, o manual aconselha a mulher a fazer coisas… românticas: como cozinhar. A mulher, então, novamente é retratada como alguém do lar. A dificuldade é que, como já analisei, a maior parte das famílias, no Brasil, ainda vive essa realidade – e o Manual foi feito para a realidade do adventismo brasileiro. Precisamos ainda acrescentar a isso, que o Manual diz claramente que o “eu te amo” deve ser usado em “todas as circunstâncias”, o que deixa a entender que também precisa estar presente nas atividades domésticas. Logo, o texto da Igreja Adventista do Sétimo Dia não está negando que o homem precisa ajudar a mulher no lar. Novamente, tira-se conclusões que o texto não permite: a exemplificação da mulher no lar não quer dizer que a mulher apenas deva ficar no lar.

Continuemos a difícil tarefa de ouvir sinceramente o discurso do vídeo:

A outra… o outro item que eu quero ler com vocês é o item quatro: “Seja cooperativo. Quer marcar pontos importantes na conquista de um bom relacionamento? Então, ajude sua esposa nas tarefas do lar. Encare isso como um investimento, ele voltará em forma de gratidão, paz, carinhos e valorização.” Bom, não ajude, marido, não ajude sua esposa. Cumpra com a sua obrigação. A sua obrigação é tal qual a da sua mulher. As tarefas domésticas, elas são divididas entre os adultos da casa, se você não pode cumprir com elas, se você trabalha muito, se você não gosta, se você não… existem opções: ou você faz, ou você negocia, ou você paga, mais do que isso, não tem como você transferir… você percebe que nenhuma das opções é transferir a responsabilidade, não existe transferência de responsabilidade. E se não existe transferência de responsabilidade, não existe ajuda; essa palavra não existe, ela é ilusória. E outra coisa, faça sua obrigação e não espere nada em troca, você é o maior beneficiado e o único beneficiado nessa história toda, porque se você não fizer alguém vai fazer, e o serviço precisa ser feito.

Não sei o que é mais ilusória aqui: a pretensa leitura sincera do texto ou a possibilidade de se saber ler o texto. Questiona-se o fazer alguma coisa esperando algo em troca. Entretanto, o próprio Manual, como se destacou em outro momento, aconselha a fazer coisas sem esperar algo em troca. Outro ponto: o argumento principal dela nesse trecho consiste em destacar que “ajuda” é contrário à “responsabilidade”. Essa ideia, porém, é falsa! Ajudar a esposa pode ser a obrigação do homem: ele deve ajudar a esposa como obrigação; assim como a esposa pode ter a obrigação de ajudar o esposo em outras atividades. Não há essa oposição que se tenta lançar sobre o texto.

Ademais, que já disse um milhão de vezes, o texto foi escrito para a realidade de uma comunidade da Igreja Adventista do Sétimo Dia. Esse último trecho, sai do pressuposto de que o homem trabalha fora e que a mulher trabalha em casa. Dado isso, o Manual aconselha que o homem, mesmo que já tenha concluído seu trabalho fora de casa, também precisa ajudar a esposa dentro de casa. Em que momento o texto apresenta isso como algo que o marido deve fazer se quiser? Aliás, a citação feita é clara, se o marido quiser um bom ambiente em casa, ele necessita fazer isso.

Jéssica continua:

E aí, junto com isso, é o item oito, que eu já queria ler pra puxar gancho nisso: “Pense mais na casa”, ainda aconselhando o homem de como fazer a mulher feliz, né!? Bom… “O lar é uma extensão da personalidade da mulher, converse mais sobre o lar e os filhos, ajude-as nas atividades domésticas. Você não deixará de ser homem por isso. Muito pelo contrário, será o homem com que toda mulher sonha.” Olha, é difícil falar “o homem que toda mulher sonha”, porque nem toda mulher sonha com o mesmo homem. É… mas assim, um homem que ajuda nas atividades domésticas, isso não é sonho de ninguém, isso é só querer um homem que não é infantilizado. Um homem que não é infantilizado, ele sabe das obrigações e que se ele for morar sozinho, ou se ele for morar com outros adultos, que não sejam, né… mulher, família, enfim… Ele vai ter que fazer e por que que dentro de um casamento isso vira ajuda? Isso aqui precisa ser urgentemente repensado. Principalmente, no que a igreja quer ensinar para casamentos felizes.

Realmente, me perdoem, mas terei que ser repetitivo: o Manual foi feito para uma realidade específica. Na realidade em que a mulher fica em casa, é óbvio que a identidade do lar estará mais relacionada com a mulher. Contudo, o mais assustador não é esse problema. Ela diz que “nem toda mulher sonha com o mesmo homem”. Isso é algo claramente correto. Contudo, logo depois é dito que “um homem que ajuda nas atividades domésticas, isso não é sonho de ninguém, isso é só querer um homem que não é infantilizado”. Mas se toda mulher sonha com um homem diferente, por que ela afirma que ninguém sonha com isso? Mais uma vez, ela entra em contradição: se as mulheres sonham com homens diferentes, então, há mulheres que sonham com o homem que o Manual está destacando; se nenhuma sonha com esse tipo de homem, isso quer dizer que existe, contrariamente ao que ela tinha colocado antes, um núcleo comum de características admiradas pelas mulheres, como a maturidade. Ora, ela destaca, aparentemente, que desejar essas características não consiste em sonhar, mas em desejar algo básico e fundamental. Nesse ponto, precisamos destacar dois fatos.

Primeiro, ela tenta opor essas duas realidades, mas não há real oposição aqui. É totalmente possível sonhar com algo básico e fundamental. Além disso, se ela admite que as mulheres, pelo menos algumas, querem homens maduros – e pelo discurso dela, esse é o ideal – então, ela admite que existe um padrão de homem.Aliás, não pontuei isso antes, porém é importante destacarmos agora: o vídeo é uma tentativa de desconstruir uma imagem de homem e de mulher para colocar outra imagem no lugar. Fica, então, a pergunta: de onde Jéssica Arruda tirou a imagem de homem e mulher defendida no seu vídeo?

Nesse momento, terei que pular mais alguns minutos de comentários sem sentidos, já que este texto está muito grande, e minha imunidade à má interpretação está no fim, e saltarmos para o fim do vídeo:

A gente precisa repensar essa cultura do estupro, esse machismo implantado dentro da igreja porque eu tenho certeza que essa não é a vontade de Deus. A vontade de Deus é que a gente viva bem, é que a gente viva feliz e pleno dentro de um casamento e em qualquer relação que a gente tiver aí na vida. Então, eu espero ter contribuído de alguma forma, de coração. Obrigado!

A imagem que a jovem em questão tem de homem e mulher em um casamento não veio da Bíblia, mas saiu direto das ideologias seculares que rondam o cristianismo. Mais precisamente, sua concepção de papeis no casamento surgiu no feminismo, que considera a concepção bíblica como machismo. Deve-se lembrar que para vivermos felizes e plenos necessitamos seguir o caminho da Sabedoria apresentado pela Palavra de Deus. Longe da Lei do Senhor, não conseguiremos obter nenhum tipo de real felicidade.

Assusta, no entanto, que mesmo uma jovem que demonstrou bastante incapacidade em fazer a simples leitura de um texto tenha tantas certezas sobre a vontade de Deus para a sociedade. Aliás, considerar um Manual, que denomina a mulher como “Rainha do lar”, relacionado com a “cultura do estupro” é algo que só pode surgir de uma leitura ideologizada[5].

Bem verdade, posso estar errado nesse último comentário. Talvez a leitura da garota não seja ideologizada, há possibilidade de que ela apenas não tenha apreendido as ferramentas básicas de leitura e interpretação de um texto. É uma possibilidade. Todavia, as referências à cosmovisão feminista me fazem acreditar mais precisamente na primeira opção: a leitura dela foi guiada por uma ideologia. Não posso declarar que os textos citados sejam um primor de escrita. Em verdade, seria interessante que alguns trechos fossem reescritos com uma melhor qualidade literária. Também não existe problema na crítica a um Manual de Curso de Noivos da Igreja Adventista do Sétimo Dia: o material não é infalível. Nada, contudo, justifica as interpretações/distorções que Jéssica Arruda apresenta.

O grande Roger Scruton analisava que as qualidades da autora J. K. Rowling não salvaram a série Harry Potter de um problema: o desejo dos jovens de possuírem uma varinha mágica que fizesse com que a realidade toda se transmutasse em um único instante. É assim nossa sociedade. Casar é algo problemático. Exige de você submissão, responsabilidade, empenho, trabalho duro e persistência. Os jovens, principalmente os homens, não querem mais isso: eles querem ficar jogando videogame e abandonar toda exigência que o cristianismo coloca sobre seus ombros. No cristianismo, não existem varinhas mágicas. E é isso que esse vídeo não entendeu: o homem e a mulher no casamento precisam ser submissos – isso confronta, mas o evangelho sempre confronta. Afinal, ninguém quer ter sua varinha mágica que distorce a realidade quebrada.  Acontece que o mundo criado por Deus é infinitamente superior a qualquer mundo criado à nossa imagem e semelhança.

Por um mundo de menos varinhas mágicas – e mais interpretação de texto!

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Notas:

[1] Quem estiver interessado, pode ler o livro “Há um significado neste texto?”, de Kevin Vanhoozer. No livro, Vanhoozer desmonta as ideias de Derrida e demonstra a razão de suas concepções não fazerem sentido.

[2] Qualquer dúvida, confira o vídeo: https://www.instagram.com/p/CC81kyRhD5I/.

[3]https://economia.ig.com.br/2019-05-22/numero-de-mulheres-que-chefiam-lares-sobe-pela-3-vez-mas-ainda-e-minoria.html).

[4]https://claudia.abril.com.br/noticias/nunca-tivemos-uma-geracao-tao-triste/; https://www.otempo.com.br/opiniao/eduardo-aquino/a-depressao-na-geracao-y-1.1043997. Aliás, a falência da atual geração foi muito bem comentada por Philip G. Zimvardo e Nikita Duncan, em The Demise of guys: why boys are  struggling and what we can do about it.

[5] Fato importante que Jéssica Arruda não cita em seu vídeo é como a Igreja Adventista do Sétimo Dia prima pelo cuidado com as mulheres e pelo apoio às famílias. A igreja consta com Ministério do Adolescente, Ministério da Família e Ministério da Mulher. O Ministério da Mulher se dedica, por exemplo, ao projeto anual Quebrando o Silêncio (contra o abuso e violência doméstica; https://www.adventistas.org/pt/mulher/projeto/quebrando-o-silencio/). A Igreja Adventista do Sétimo Dia também possui uma preocupação especial com educação cristã e saúde. O Ministério da Família desenvolve projetos como Encontro de pais (que busca instruir os pais na educação de seus filhos; https://www.adventistas.org/pt/familia/projeto/encontro-de-pais/), além de outras atividades como Renovações de casais com Cristo (https://www.adventistas.org/pt/familia/projeto/rcc-renovacao-casais-cristo/)e Finanças da Família (https://www.adventistas.org/pt/familia/projeto/financas-da-familia/). O Ministério do Adolescente desenvolve atividades na educação financeira dos juvenis (https://www.adventistas.org/pt/adolescentes/projeto/deus-primeiro-mordomia-para-adolescentes/), incentivo de boa literatura (https://www.adventistas.org/pt/adolescentes/projeto/concurso-serie-conflito/) e curso de liderança para adolescentes (https://www.adventistas.org/pt/adolescentes/projeto/curso-de-lideranca-adolescente/); além disso, Ministério da Criança possui projetos de educação infantil (https://www.adventistas.org/pt/criancas/projeto/deus-primeiro-mordomia-para-criancas/) e Escola Cristã de Férias (https://www.adventistas.org/pt/criancas/projeto/escola-crista-de-ferias/).