Por Davi Caldas

Conforme se descobriu nas últimas horas [1], a trans abraçada pelo Dr. Drauzio Varella (no quadro sobre prisioneiras trans, no programa televisivo Fantástico, da TV Globo) foi sentenciada por ter abusado, matado e enterrado uma criança. É óbvio (do ponto de vista cristão) que isso não muda a necessidade de visitar essa pessoa na prisão. O perdão é um dos principais ensinamentos do evangelho, devendo ser ofertado até os mais pérfidos pecadores. E se o pecador se arrepende, devemos ficar alegres por isso.

Entretanto, é interessante ressaltar que a história foi veiculada no Fantástico ocultando-se o crime da trans. Por quê? Embora eu não possa dizer com certeza, parece bastante provável que a ideia tenha sido vender uma determinada narrativa: a trans que não é visitada pela própria família há anos. A narrativa tem, evidentemente, a capacidade de levar muita gente a pensar que uma das razões para essa falta de visitas seja a condição de transsexualidade.

Do lado cristão, a narrativa alimenta o imaginário social progressista de que a Igreja é homofóbica e transfóbica, que a família da trans é cruel e que Drauzio Varella, um médico ateu, está cumprindo o evangelho ao dar um abraço nessa pessoa. Sim, diversos cristãos progressistas usaram a história para montar exatamente essa narrativa.

Agora, vamos analisar as coisas de maneira mais realista e equilibrada. Primeiro: dado que o crime da trans foi tão terrível, é plausível supor que a família não tenha conseguido superar isso. Não, eu não estou dizendo que a família não deva superar. Mas ponha-se no lugar da família. Não deve ser fácil você ter um parente que estuprou, matou e ocultou o cadáver de uma criança. Curiosamente, até onde eu sei, nenhum cristão progressista cobrou da família, dos amigos ou da sociedade um perdão e um abraço à Suzane Richthofen, ao casal Nardoni ou ao goleiro Bruno. Por que? Porque é compreensível achar difícil a proximidade com pessoas que cometeram tamanhas atrocidades e que talvez tenham cruzado a linha da psicopatia.

Segundo: embora seja muito importante para essa trans receber um abraço, apenas o abraço não resolverá o principal problema dela e de qualquer outra pessoa no mundo: a carência da graça de Deus. E aqui está a minha rixa com o “evangelho [só] social”. Ele faz parecer que é mais amoroso ajudar alguém com abraços e militância política pró socialismo do que com a apresentação da salvação eterna em Cristo Jesus. E essa é exatamente a mesma mentalidade de não-cristãos pró-beneficência social. Eu já vi, não mais de uma vez, esses não-cristãos lamentarem que “o trabalho missionário é ótimo socialmente, mas, infelizmente, leva também a superstição do cristianismo”.

Em outras palavras, para muitos, o que realmente importa é apenas o social. O evangelho é descartável e até danoso. É uma superstição. Talvez por isso os antropólogos e sociólogos nas universidades nunca olhem com bons olhos (muito menos estudem) as ações sociais promovidas pelas igrejas, pelos ministérios cristãos que visitam prisões e pelas organizações missionárias em geral.

E o que faz o cristão progressista? Embarca na narrativa. O cristão progressista nunca perde uma oportunidade de criticar a Igreja, defender organizações ou indivíduos do mundo e traçar uma comparação entre ambos. Para o cristão progressista, o verdadeiro evangelho está sempre em qualquer lugar – no ateu, na trans, na escola de samba, na feminista marxista umbandista, no político socialista, na meretriz -, menos, claro, na igreja e nos cristãos. Não se trata de simples autocrítica, mas da escolha minuciosa de narrativas que exaltem uma visão progressista de evangelho. É a cooptação do evangelho pelo secularismo, pelo progressismo, pelo marxismo e outros “ismos”.

Terceiro: assim como a trans pecadora carece da oferta do perdão, os familiares da criança morta carecem do apoio da Igreja. Isso nos faz lembrar que toda história tem sempre dois lados. Se alguém está preso justamente, algum crime cometeu. A quem essa pessoa lesou? Será que os cristãos progressistas conseguem estender seu amor às vítimas ou isso só vale para os criminosos?

Quarto: evidentemente, Drauzio não falou de Jesus para a trans. Não disse a ela que ela pode alcançar o perdão em Cristo. Não disse a ela que Jesus a ama. Não disse a ela que aceitando a Jesus, ela pode ser lavada e remida pelo Espírito Santo. Não disse a ela que ela pode estar entre os ressurretos no dia em que Jesus voltar. Então, quê esperança esse pobre pecador recebeu? Nenhuma. Que sentido real para a vida esse indivíduo ganhou? Nenhum. Pode a trans salvar a si mesma? Não, não pode. Podemos concluir, portanto, que não, o evangelho não foi pregado para ela.

A atitude de Drauzio pode e deve ser louvada. E sim, podemos nos inspirar nele para fazer coisas semelhantes. Isso é graça comum. Até descrentes podem fazer grandes atos de amor ao próximo. E nós, cristãos, ao vermos isso, devemos nos avaliar: será que temos sido amorosos num sentido mais social? Será que não podemos ajudar mais, dentro de nossa área de atuação? Esse tipo de reflexão é válida. Mas, nunca, de maneira alguma, podemos usar Drauzio como modelo de pregação do evangelho. A trans precisava de um abraço e de alguém que a ouvisse? Sim. Porém, o que ela mais precisava Drauzio não pode dar: “[…] o poder de Deus para a salvação de todo aquele que nele crê; primeiro do judeu, assim como do grego (Rm 1:16). Sim, o bom e velho evangelho, do qual Paulo não se envergonhava de PROCLAMAR.

Se queremos tirar uma lição dos atos de Drauzio, ela deve ser: “Teve abraço e compaixão, o que é muito importante. Mas faltou a proclamação da boa nova de que o Senhor Jesus morreu pelos nossos pecados. Que a Igreja seja incentivada a ir lá e pregar essa mensagem àquela trans, como tem pregado a tantos outros presos diariamente”. É isso o que vai salvá-la. O mero abraço de um ateu pode alegrar uma pessoa, mas não vai livrá-la da condenação no último dia. Que amemos para além dessa vida, desejando ardentemente que Jesus salve e regenere para sempre pecadores arrependidos.

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[1] Um dos links em que li sobre esse levantamento foi esse. 

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