Por Davi Caldas

Entender alguma coisa de termos originais em hebraico e grego no texto bíblico pode ser muito útil numa compreensão mais aprofundada da Bíblia. Um dos inúmeros exemplos que se podem citar está nos dois primeiros capítulos de Gênesis. No primeiro verso, lemos na tradução portuguesa que “No princípio criou Deus os céus e a terra”. A palavra original no hebraico para Deus nesse texto é “Elohim”. Esse é um dos nomes dados ao Deus de Israel no Antigo Testamento.

O que poucos sabem é que Elohim é um termo genérico. Ele poderia expressar qualquer divindade e também qualquer tríade. Assim, para um leitor do oriente médio da época, os primeiros versos de Gênesis não dizem muita coisa. Dizer que Elohim criou céus e terra era dizer que uma divindade os criou. Não dá para saber quem foi, quais são suas características, de que povo era. Poderia ser o Elohim de qualquer povo, de qualquer cultura. Era “deus” no singular.

Todo o capítulo 1 de Gênesis se refere a Deus apenas no genérico: Elohim. Um Elohim que cria o mundo, mas ainda assim, um Elohim, no sentido indefinido.

O relato fica mais interessante assim que este Elohim termina a criação, no fim do capítulo 1. Então, o capítulo 2 se inicia dizendo que esse Elohim descansou no sétimo dia de toda a obra que como Criador fizera. E por isso abençoou e santificou o dia de sábado. Esse Elohim, portanto, não só é descrito com o título de Criador, mas como soberano o suficiente para santificar e abençoar um dia inteiro só para Ele apenas em lembrança do término de sua obra.

Ao santificar um período de tempo, esse Elohim de Gênesis transcende o espaço, pois em qualquer lugar do mundo que seja sábado, o Elohim de Gênesis será lembrado como o Criador do mundo. É algo muito mais abrangente do que santificar um monte, um campo, uma cidade, um país. Ao santificar um tempo, Elohim prova seu senhorio sobre toda a terra e todos os seres.

É nesse momento do texto, quando Elohim é exaltado como Criador, estando além do espaço e sendo soberano sobre o tempo, que o relato revela quem Ele é. Isso ocorre no verso 4 do capítulo 2. Em português lemos: “Esta é a Gênese dos céus e da terra, quando foram criados, quando o Senhor Deus os criou”. A palavra vertida como Senhor, no hebraico original é: YHWH. Esse é o nome primeiro e principal de Deus no Antigo Testamento. Quase todas as vezes que lemos a palavra “Senhor” no Antigo Testamento, o original era YHWH.

Chamado de tetragrama, ninguém sabe hoje qual era a pronúncia desse nome, pois o alfabeto hebraico antigo não continha vogais. Assim, alguns transliteram esse nome para Yahweh, Iavé, Javé ou Jeová. Gosto mais do termo Yahweh.

Yahweh, portanto, é o Elohim Criador do mundo. Essa é a sua identificação. Sabemos quem é Yahweh porque Ele se apresenta como Criador e soberano sobre o tempo (e, por conseguinte, sobre todos os espaços). Assim, a criação do mundo e também o sábado remetem a diretamente a Yahweh.

E por que isso é tão interessante? Porque esse tema vai perpassar toda a Bíblia de Gênesis a Apocalipse. Que tal vermos os textos? Vamos começar com Ezequiel e depois seguimos a ordem bíblica. Ezequiel 20:12-14 lemos:

“Também lhes dei os meus sábados, para servirem de sinal entre mim e eles, para que soubessem que eu sou o Senhor [Yahweh] que os santifica. Mas a casa de Israel se rebelou contra mim no deserto, não andando nos meus estatutos e rejeitando os meus juízos, os quais, cumprindo-os o homem, viverá por eles; e profanaram grandemente os meus sábados. Então, eu disse que derramaria sobre eles o meu furor no deserto, para os consumir. O que fiz, porém, foi por amor do meu nome [Yahweh], para que não fosse profanado diante das nações perante as quais os fiz sair”.

Aqui Deus está informando que deu seus sábados (os mesmos que Ele abençoou e santificou em Gênesis, assim que terminou a criação), como sinal para que o povo de Israel soubesse que Ele, o Elohim que estava os tirando do Egito, era Yahweh, o mesmo que criou todas as coisas e santificou o sábado por causa disso. Em outras palavras, o sábado estava sendo enfatizado para os hebreus como um dia que apontava para Deus como sendo o Yahweh Elohim que criou todas as coisas em Gênesis. E por que o sábado servia como sinal? Porque remetia à criação e ao título de Deus como Criador. E essa era a distinção que Deus queria enfatizar entre Ele e demais deuses (falsos). O texto continua do verso 15 ao 22:

“Demais, levantei-lhes no deserto a mão e jurei não deixá-los entrar na terra que lhes tinha dado, a qual mana leite e mel, coroa de todas as terras. Porque rejeitaram os meus juízos, e não andaram nos meus estatutos, e profanaram os meus sábados, pois o seu coração andava após os seus ídolos.

Não obstante, os meus olhos lhes perdoaram, e eu não os destruí, nem os consumi de todo no deserto. Mas disse eu a seus filhos no deserto: ‘Não andeis nos estatutos de vossos pais, nem guardeis os seus juízos, nem vos contamineis com os seus ídolos. Eu sou o Senhor [Yahweh], vosso Deus; andai nos meus estatutos, e guardai os meus juízos, e praticai-os; santificai os meus sábados, pois servirão de sinal entre mim e vós, para que saibais que eu sou o Senhor [Yahweh], vosso Deus’.

Mas também os filhos se rebelaram contra mim e não andaram nos meus estatutos, nem guardaram os meus juízos, os quais, cumprindo-os o homem, viverá por eles; antes, profanaram os meus sábados. Então, eu disse que derramaria sobre eles o meu furor, para cumprir contra eles a minha ira no deserto. Mas detive a mão e o fiz por amor do meu nome [Yahweh], para que não fosse profanado diante das nações perante as quais os fiz sair”.

É como se Deus estivesse dizendo: “Vocês sabem que eu sou Yahweh, o Deus Criador lá de Gênesis, por causa do sábado. Esse é o sinal. O sinal que eu criei no início do mundo e agora serve também de distinção entre vocês e outros povos, já que ninguém mais o segue”. Interessante, não? Mas não para por aí. Como eu disse, esse tema perpassa toda a Bíblia. Há um interesse muito grande de Deus em enfatizar que Ele é Yahweh, o Deus Criador. Em Êxodo lemos:

Lembra-te do dia de sábado, para o santificar. Seis dias trabalharás e farás toda a tua obra. Mas o sétimo dia é o sábado do Senhor, teu Deus; não farás nenhum trabalho, nem tu, nem o teu filho, nem a tua filha, nem o teu servo, nem a tua serva, nem o teu animal, nem o forasteiro das tuas portas para dentro; porque, em seis dias, fez o Senhor [Yahweh] os céus e a terra, o mar e tudo o que neles há e, ao sétimo dia, descansou; por isso, o Senhor [Yahweh] abençoou o dia de sábado e o santificou” (Êx 20:8-11 – ênfase minha).

Já em II Crônicas, lemos:

“Hirão, rei de Tiro, respondeu por uma carta que enviou a Salomão, dizendo: ‘Porquanto o Senhor [Yahweh] ama ao seu povo, te constituiu rei sobre ele’. Disse mais Hirão: ‘Bendito seja o Senhor [Yahweh], Deus de Israel, que fez os céus e a terra; que deu ao rei Davi um filho sábio, dotado de discrição e entendimento, que edifique casa ao Senhor [Yahweh] e para o seu reino’” (II C 2:11-12 – ênfase minha).

Repare que Hirão não era israelita, mas rei de uma cidade-estado chamada Tiro. Entretanto, ele conhecia o Senhor e o distinguia dos outros deuses, entre outras coisas, pelo fato de ser ele o criador dos céus e da terra.

Em Jonas vemos algo semelhante:

“Então, lhe disseram: Declara-nos, agora, por causa de quem nos sobreveio este mal. Que ocupação é a tua? Donde vens? Qual a tua terra? E de que povo és tu? Ele [Jonas] lhes respondeu: ‘Sou hebreu e temo ao Senhor [Yahweh], o Deus do céu, que fez o mar e a terra’. Então, os homens ficaram possuídos de grande temor e lhe disseram: Que é isto que fizeste? Pois sabiam os homens que ele fugia da presença do Senhor [Yahweh], porque lhes havia declarado” (Jn 1:8-10).

Jonas havia recebido do Senhor um chamado para pregar na cidade de Nínive, que era uma cidade muito iníqua. Mas o profeta tinha um terrível preconceito contra os ninivitas e não lhe agradava a ideia de oferecer a Palavra de Deus àquelas pessoas. Então, fugiu para outra cidade, em uma embarcação. Deus, então, desencadeou uma tempestade para que o profeta se visse obrigado a mudar de ideia, pois a cidade de Nínive precisava daquela pregação. Mas o que importa neste texto é mostrar que o Deus verdadeiro era conhecido como “o Deus do céu, que fez o mar e a terra”. Essa foi a descrição que Jonas fez para que aqueles homens soubessem de qual Deus o profeta falava.

Davi, em alguns de seus salmos, se utiliza das mesmas expressões para distinguir o Senhor dos outros deuses. Diz o salmista: “Sede benditos do Senhor [Yahweh], que fez os céus e a terra” (Sl 115:15). “O meu socorro vem do Senhor [Yahweh], que fez o céu e a terra” (Sl 121:2). “O nosso socorro está em o nome do Senhor [Yahweh], criador do céu e da terra” (Sl 124:8). “De Sião te abençoe o Senhor [Yahweh, criador do céu e da terra” (Sl 134:3).

No Salmo 146, Davi repete exatamente as mesmas palavras de Êxodo 20:11, do mandamento do sábado:

“Bem-aventurado aquele que tem o Deus de Jacó por seu auxílio, cuja esperança está no Senhor [Yahweh], seu Deus, que fez os céus e a terra, o mar e tudo o que neles há e mantém para sempre a sua fidelidade” (Sl 146:5-6 – ênfase minha).

Esta distinção de Deus como o Criador de tudo não está presente somente no Antigo Testamento, mas também no Novo. A igreja, em uma ocasião, orou assim:

“Tu, Soberano Senhor, que fizeste o céu, a Terra, o mar e tudo o que neles há; que disseste por intermédio do Espírito Santo, por boca de Davi, nosso pai, teu servo: ‘Por que se enfureceram os gentios e os povos imaginaram coisas vãs? Levantaram-se os reis da terra, e as autoridades ajuntaram-se à uma contra o Senhor e contra o seu Ungido; porque verdadeiramente se ajuntaram nesta cidade contra o teu Santo Servo Jesus, ao qual ungiste (…)’” (At 4:24-27 – ênfase minha).

Mais uma vez, exatamente igual ao texto de Êxodo. E uma demonstração clara de que o Senhor Deus do Novo Testamento é o mesmo Yahweh Elohim do Antigo Testamento.

Também o apóstolo Paulo, instrumento de Deus para a pregação do evangelho para os gentios, afirma em Atos:

“Senhores, por que fazeis isto? Nós também somos homens como vós, sujeitos aos mesmos sentimentos, e vos anunciamos o evangelho para que destas coisas vãs vos convertais ao Deus vivo, que fez o céu, a terra e o mar e tudo o que há neles, o qual, nas gerações passadas, permitiu que todos os povos andassem nos próprios caminhos; contudo, não se deixou ficar sem testemunho de si mesmo, fazendo o bem, dando-vos do céu chuvas e estações frutíferas, enchendo o vosso coração de fartura e de alegria” (At 14:15 – ênfase minha).

O mesmo Paulo, em circunstâncias semelhantes, pregando para adoradores de diversos deuses pagãos, diz em Atos 17:23-24:

“Pois esse que adorais sem conhecer é precisamente aquele que eu vos anuncio. O Deus que fez o mundo e tudo o que nele existe, sendo ele Senhor do céu e da terra, não habita em santuários feitos por mãos humanas” (At 17:23-24 – ênfase minha).

Em Apocalipse, o tema é mencionado duas vezes. Em Apocalipse 10 podemos ler:

“Então, o anjo que vi em pé sobre o mar e sobre a terra levantou a mão direita para o céu e jurou por aquele que vive pelos séculos dos séculos, o mesmo que criou o céu, a terra, o mar e tudo quanto neles existe: ‘Já não haverá demora, mas, nos dias da voz do sétimo anjo, quando ele estiver para tocar a trombeta, cumprir-se-á, então, o mistério de Deus, segundo ele anunciou aos seus servos, os profetas’” (Ap 10:5-7 – ênfase minha).

Finalmente, em Apocalipse 14, lemos o que talvez seja o texto mais impactante dessa série:

“Vi outro anjo voando pelo meio do céu, tendo um evangelho eterno para pregar aos que se assentam sobre a terra, e a cada nação, e tribo, e língua, e povo, dizendo, em grande voz: ‘Temei a Deus e dai-lhe glória, pois é chegada a hora do seu juízo; e adorai aquele que fez o céu, e a terra, e o mar, e as fontes das águas” (Ap 14:6-7 – ênfase minha).

Repare que uma das últimas grandes mensagens a serem pregadas tem ao mundo, a qual faz parte do evangelho eterno, tem a ver com o juízo de Deus e com a adoração ao Deus Criador. Se há um alerta desse no Apocalipse, nos últimos dias da terra, e que deve ser pregado em alta voz a todo o mundo, só podemos concluir que nos últimos dias o Deus Criador não estaria sendo adorado ou, no mínimo, que o Deus Criador não estaria sendo adorado como Criador. A relevância que a Bíblia dá a esse assunto, literalmente de Gênesis à Apocalipse, é prova de que Deus deseja ser lembrado e distinguido como Criador. E certamente há uma forma bíblica de fazer isso.

Voltamos ao livro de Gênesis para ter luz. Diz o primeiro texto da Bíblia a respeito do sétimo dia da semana, o sábado:

“Assim, pois, foram acabados os céus e a terra e todo o seu exército. E, havendo Deus terminado no sétimo dia a sua obra, que fizera, descansou nesse dia de toda a sua obra que tinha feito. E abençoou Deus o dia sétimo e o santificou; porque nele descansou de toda a sua obra que, como criador, fizera (Gn 2:1-3).

Durante toda a Bíblia Deus desenvolve uma espécie de triângulo para relembrar o ser humano que Ele é o Criador. Numa ponta está o seu nome, o que era muito importante no mundo antigo, já que todos os deuses tinham nome. Em outra ponta estava aquilo que Ele fez: criou todas as coisas. E na outra estava o sábado, o dia que Ele escolheu para apontar o fato da criação, a soberania do Criador e o exemplo do descanso. Assim, cada ponta, cada ângulo lembrava o outro, pois havia íntima relação. Quando um servo de Deus guardava o sábado, testificava para todos que servia a Yahweh Elohim, o Deus Criador descrito em Gênesis. Quando dizia servir a Yahweh Elohim, testificava que guardava o sábado e adorava ao Deus Criador descrito em Gênesis.

O texto de Apocalipse 14:6-7 nos conclama a fazer exatamente isso: testificar que nós servimos ao Yahweh Elohim, o Deus Criador descrito em Gênesis. Mas, não servimos a Jesus Cristo? Ao Deus Triúno redentor do Novo Testamento? Sim, claro. Mas a Bíblia faz questão de enfatizar que Jesus Cristo é o mesmo Deus Criador descrito no livro de Gênesis (Jo 1:1-3; At 4:24-27; Jó 26:13 e 33:4; Gn 1:2).

Não há divisão aqui. Não há qualquer ruptura. Há apenas um Deus na Bíblia. E o sábado é a melhor maneira de se testificar isso. Afinal, se o Deus Criador tornou santo esse dia lá em Gênesis (antes de haver judeus, antiga aliança e até mesmo pecado) e esse Deus é o mesmo que nos redime no Novo Testamento pelo seu sangue, então o seu dia santo continua sendo o mesmo também. É o dia que aponta Cristo como Criador. É o dia que faz da Bíblia uma coisa só, do Deus da Bíblia um só ser. Se de fato “Jesus Cristo é o mesmo ontem, hoje e eternamente”, como nos diz Hebreus 13:8, exaltá-lo como Criador é, sem dúvida, algo relevante. E Ele nos pede que façamos isso não apenas com palavras, mas com a prática.

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