Esse texto refuta a sexta parte da série proposta pela página “Adventista Subversivo”, a qual defende que a prática homossexual não é considerada um pecado pela Bíblia. O autor da refutação é o teólogo Isaac Malheiros. Para ler o texto refutado, clique aqui.

1. Arsenokoitai tem sua origem na Septuaginta, não na cultura secular

Em primeiro lugar, o Adventista Subversivo ignorou a Septuaginta (LXX), a versão grega do AT que Paulo e a igreja primitiva usavam abundantemente. De onde Paulo tirou arsenokoitai? Da LXX. É incrível como este documento tão importante da igreja do NT está sempre ausente da grande maioria das discussões sobre a etimologia do termo arsenokoitai, sendo que é o próprio fundamento de sua origem!

Paulo apenas juntou duas palavras de Lv 18:22 (e 20:13) da LXX para fazer esse termo composto: arsēn + koitē. Só Paulo usa esse termo composto, antes dele ninguém usou, portanto não existe nenhum cenário histórico anterior no qual esta palavra em particular possa ser comparada.[1] Ele claramente se refere a Levítico 18:22 e 20:13 (LXX):

“kai meta ARSENOS ou koimethese KOITEN gynaikos…” (“e não te deitarás com um macho como com uma mulher…”).

“kai hos koimethe meta ARSENOS KOITEN gynaikos…” (“e quem se deitar com um macho como com uma mulher…”).

Paulo juntou os dois termos arsēn e koitē, formando uma palavra só. Muitas outras palavras surgiram assim, e a força das expressões sempre está em koitē, como doulokoites (“o que deita com escravo”, não escravo que deita com outras pessoas), metrokoites (“o que deita com a mãe”, não mãe que deita com outras pessoas), e polukoites (“o que deita com muitos”, não muitos que deitam com outras pessoas).

Invariavelmente, koitē tem a força verbal sobre a primeira metade da palavra. Portanto, arsenokoitai é “os que deitam com machos”, não “machos que deitam com outras pessoas”, e a tentativa linguística de provar que arsenokoitai se refere apenas a prostitutos ativos cai por terra.[2]

Ao juntar arsēn e koitē, Paulo está se referindo à lei do AT que proíbe relações sexuais homossexuais (Lv 18:22 e 20:13). Uma tradução literal descreveria um homem deitado com um homem na cama, referindo-se às relações sexuais homossexuais. Seu significado não se restringe à pederastia, ou à prostituição, abuso, ou qualquer outro tipo específico de sexo homossexual.

A palavra que tem sofrido a maior e mais detalhada tentativa de revisão é arsenokoitai. E o padrão é sempre o mesmo: ignorar a LXX ou dar preferência a textos posteriores e tardios, o que é totalmente absurdo.

 2. Arsenokoitai é sexo entre homens, não prostituição

No NT (e na LXX), arsēn é “macho” e koitē é “cama” (Lc  11:7). Mas koitē também é usado para relação sexual (Rm 13:13; Hb 13:4, cf. Rm 9:10). A combinação dos dois termos arsēn e koitē não sugere prostituição, estupro ou sexo ritual, apenas contato sexual entre dois homens. Em outras palavras, arsenokoitai não fala da razão pela qual o sexo homossexual é praticado.

3. Paulo tem Levítico 18:22 e 20:13 em mente

É inegável que 1Co 5-6 inclui várias alusões a Lv 18-20,[3] e dos dez vícios listados em 1Co 6:9-10, somente a embriaguez não é encontrada em Levítico 18-20. Essa estrutura paralela entre os textos evidencia ainda mais que Paulo tinha Levítico 18:22 e 20:13 em mente ao cunhar arsenokoitai  a partir da LXX.

O contexto imediato de 1Co 6:9 vai do capítulo 5 ao capítulo 7 e trata da sexualidade humana. Paulo menciona um caso de incesto, e aplica a lei de Lv 18:8 e 20:11, que foi aceita como aplicável para os cristãos gentios pelo Concílio de Jerusalém (o “sexo ilícito” de At 15:20). Como vimos nos textos anteriores, as normas sexuais de Levítico 18 e 20 são essencialmente morais, e seus conceitos eram aplicáveis aos estrangeiros.

 4. O padrão de Paulo é a Criação

Em 1 Coríntios 6, como em Romanos 1, Paulo também usa a criação divina como padrão para a sexualidade. Ele cita Gn 2:24 (“serão os dois uma só carne”) em 1Co 6:16. Outra evidência de ele tem a criação em mente é que ele usa o casamento heterossexual como padrão para ensinar sobre vida conjugal e divórcio: “cada homem deve ter sua própria esposa, e cada mulher deve ter seu próprio marido” (1Co 7:2).

Em outros textos, Paulo usa o relacionamento heterossexual entre maridos e esposas para exemplificar o relacionamento entre Cristo e a igreja (Ef 5:23). Não há nesses textos lugar para a homossexualidade, ele está claramente se referindo ao casamento heterossexual. A alusão ao AT e à criação divina indicam uma dimensão universal, não limitada ao tempo, à cultura ou a certas formas de homossexualidade.

 5. Arsenokoitai esclarece Malakoi

Malakoi é mencionado entre dois outros pecados sexuais: “Ou não sabeis que os injustos não herdarão o reino de Deus? Não vos enganeis: nem impuros, nem idólatras, nem adúlteros [moichos], nem efeminados [malakoi], nem sodomitas [arsenokoites]” (1Co 6:9). Isso indica que malakoi também é um pecado sexual.

Isoladamente, malakoi tem significado muito amplo, e é um caso em que a literatura extrabíblica pode ajudar, já que esse é o único uso da palavra para descrever uma pessoa em um contexto sexual na Bíblia. E há ampla evidência de que malakoi era usado para efeminados em geral, e também para quem se submetia passivamente a relações homossexuais no mundo greco-romano e entre os judeus do século I.[4] Falando de forma clara: nem todo malakos se envolvia em sexo homossexual, mas todo homem que se envolvia em sexo homossexual poderia ser chamado de malakos.

Ao estar relacionada a arsenokoitai, a palavra malakoi recebe uma influência em seu significado, o termo arsenokoitai ajuda a definir o malakoi. É preciso considerar esses dois termos em relação um com o outro: eles se referem ao relacionamento homossexual.

A combinação de arsenokoitai e malakoi permite uma aplicação a um campo de significados maior, e não menor, incluindo todos os homens que têm relações sexuais voluntárias com homens, sejam passivos ou ativos. Na ausência de prova documental excluindo todos os outros significados possíveis, arsenokoitai e malakoi não podem ser restringidos arbitrariamente a algum detalhe do contexto cultural da época. Para restringir os termos à prostituição ou abuso, a evidência é necessária, e o Adventista Subversivo não a trouxe.[5]

Como foi mostrado, 1Co 6 alude à lei de Levítico 18-20, e a combinação de malakoi + arsenokoitai  pode referir-se aos dois homens de Lv 20:13, e apontar para o passivo e o ativo de uma relação homossexual. Levítico 20:13 afirma que “ambos praticaram abominação”, e ambos seriam condenados à morte (a pena não é encontrada em 18:22). Por isso, há uma ampla maioria de intérpretes que entende 1Co 6:9 como falando de homens envolvidos em sexo homossexual com característica mais passiva (malakoi) e com característica mais ativa (arsenokoiotai).

6. A penalidade sugere relação sexual por vontade própria

A penalidade por ser um malakos ou um arsenokoitēs é a exclusão do reino de Deus (1Co 6:10), o que indica que os dois termos se referem a adultos que, por vontade própria têm relações homossexuais uns com os outros. Exclui o abuso, o sexo forçado.

Conclusão

O significado do termo arsenokoitai como homossexual está na origem e uso histórico do termo: Paulo forjou a expressão a partir da LXX, a Bíblia da igreja primitiva. Além disso, a construção gramatical do termo e sua fonte levítica (Lv 18:22 e 20:13) evidenciam o significado: homens que se deitam com machos. É inegável que Paulo usava a LXX em seus escritos, mas isso é muitas vezes esquecido no debate sobre o significado do termo arsenokoitai.

A grande notícia de 1 Co 6 é que alguns cristãos de Corinto tinham praticado sexo homossexual como malakoi ou arsenokoitai (“tais fostes alguns de vós”), mas pela graça de Deus deixaram de ser, foram lavados (1Co 6:11).

De qualquer maneira, admitindo as dificuldades de tradução, a posição bíblica contra o sexo homossexual não depende desses dois textos (1Co 6:9 e 1Tm 1:10). Ao contrário, diante da tentativa de desconstrução liberal, esses dois textos podem ser esclarecidos pela posição bíblica mais ampla. A posição bíblica sobre o assunto não é afetada com a tentativa de revisar o significado natural de duas palavras nesses dois textos. A Bíblia tem muito material positivo sobre sexualidade humana que começa com a instituição do casamento no Gênesis.

Nessa série de textos, o Adventista Subversivo ficou numa confortável posição de franco-atirador, fazendo a exegese de um sniper, apenas tentando “abater” alguns textos e palavras. Gostaríamos de ver a argumentação positiva, a defesa bíblica da relação homossexual como sendo algo dentro da vontade de Deus. Começando por Gênesis, pelo casamento, como foi confirmado por Jesus em Mt 19:4-6.

Dica de leitura:

Para um maior aprofundamento do tema, sugiro o texto do Dr. Milton Torres, “Evidência Linguistica e Extralinguistica para a Tradução Arsenokoitai” (disponível para leitura no link ao lado).

Referências: 

[1] Além de Paulo, só os Oráculo Sibilinos 2:73 usam arsenokoitein, um texto de caráter judaico-cristão provavelmente contemporâneo de Paulo, mas a data é incerta.

[2] David Wright demonstra claramente isso em: http://www.williamapercy.com/wiki/images/Homosexuals_or_prostitutes_studies_of_homosexuality_volume_12.pdf

[3] As alusões incluem o tema geral da separação moral de Deus, como em Levítico; a distinção dos gentios (5:1; 6:1-6; Lv 18:3, 24-30; 20:23); a herança futura (6:9, 10; Lv 24); amar o próximo como a si mesmo (6:8; Lv 19:18).

[4] Fílon de Alexandria (Legatio ad Gaium 1:111; De specialibus legibus 2:169; De somniis 1:122-123); Dio Crisóstomo 49; Apologia de Aristides VIII; Policarpo aos Filipenses 5:3. Muitas outras fontes estão listadas nas notas de rodapé do artigo de David Wright, mencionado acima na nota 2, e no artigo de James De Young: https://www.tms.edu/m/tmsj3h.pdf

[5] Por exemplo, ao tentar relacionar arsenokoitai ao tráfico de escravos em 1Tm 1:10, o Subversivo ignora a evidência de que a lista de pecados de 1Tm 1:9-10 está relacionada à lei do AT (Dez Mandamentos). No contexto, Paulo fala sobre a Lei (v. 3-8), e então faz uma lista de pecados específicos que correspondem do quinto ao nono dos Dez Mandamentos (v. 9-10). A lista usa termos simples e em duplas para se referir aos Dez Mandamentos, e arsenokoitai se relaciona com pornois, representando o mandamento “não adulterarás”, e não com os “ladrões de escravos” (que estaria representando o mandamento “não furtarás”). Já a lista de pecados de 1Co 6 parece ser um resumo de Lv 18:29-30 e 20:23-24.

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Posts da Série “A Bíblia e a Homossexualidade”

Apresentação
Parte 1: A Criação
Parte 2: Sodoma e Gomorra
Parte 3: Os Cananeus e a prostituição cultural
Parte 4: Jesus e a Homossexualidade
Parte 5: Idolatria e ritos orgíacos (Rm 1:26-27)
Parte 6: Prostituição Masculina e Devassidão (1 Co 6:9 e 1 Tm 1:10)

Parte 7: Ciência, genética, psicologia e conclusão

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